Os efeitos do coaching

17/04/2016 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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Os efeitos no coaching daquilo que “trabalha” a alma do coach i 

Cleila Elvira Lyra

“A arte e a prática de conseguir um impacto benéfico no diálogo interno dos alunos

(tenis) tornaram-se meu principal tema-tese como coach.” Timothy Galweyii

Sabemos que o tamanho da janela pela qual o coach olha o horizonte, é o limite da expansão do seu cliente. A largura e a altura do quadro da janela, pela qual o coach percebe a realidade demarcam a amplitude do “mundo” que pode ser compartilhado por ambos.

É simples, se a janela do coach for pequena, só se pode ver através dela uma parte do mundo, somente o que estiver bem a frente, em linha reta. Entretanto se ela for ampla, alta e larga, pode-se através dela olhar mais aos lados e notar que existem mais elementos antes não visíveis na abertura.

Caberia a seguinte pergunta: como então como um cliente que tem uma janela ampla pode se entender com um coach cuja janela é mais estreita? Como este último poderá entender algumas atitudes, alguns valores, facilitar algumas análises de alternativas, apoiar processos de decisão, desafiar seu cliente em alguns momentos?

Provavelmente todos nós já ouvimos falar de um coach, terapeuta, professor que não experimentou em sua vida algumas dificuldades que seu cliente vive e por isto tem dificuldades em lidar com ele. Geralmente se interpõem dificuldades em desenvolver empatia, em compreender ou apoiar para que este reflita, analise alternativas e conclua em alguma boa escolha e decisão, no encaminhamento de uma solução.

Uma das razões pelas quais as pessoas quando ficam mais velhas, ficam mais sábias, reside no fato de terem presenciado ou vivido muitas situações da vida. Muitas vezes simplesmente em virtude do tempo de exposição à vida, elas se tornam mais compreensivas, tolerantes, serenas e, portanto, pode- se dizer mais inteligentes ou sábias.

Sabedoria evidentemente não é sinônimo de envelhecimento, mas sem dúvida este contribui muito para aquele. Por exemplo, um mesmo sujeito é mais sábio aos 60 do que foi aos 30.
Sabedoria, entretanto, além do tempo de exposição à vida, depende de algum

Deixar a vida acontecer e refletir sobre como nos sentimos, reagimos, mudamos e, os efeitos que causamos nos outros, é um componente essencial da sabedoria.

Viver e elaborar as vivências nos tornam mais sábios. A coragem que temos de analisar nossas experiências favorece a descobertas de partes pouco familiares em nós e contribui para aceitação das outras naturezas que constituem nosso ser inteiro. É, portanto, o fator central na abertura da nossa janela, entrar em contato, reconhecer e acolher nossas luzes e nossas sombras.

Galwey também nos fala de um processo de difícil diálogo entre dois em nós. Primeiramente percebeu nos seus alunos de tênis e depois nos seus coachees. Chama de EU1 e de EU2 duas dessas partes da nossa natureza psíquica que entram em confronto e duelam em nossas mentes. Para ele, o EU1 é a parte severa, racional, crítica enquanto que o EU2 é a natural, espontânea, inteira (intuitiva).
Segundo o coach, o EU1 é predominante nas nossas vidas no mundo ocidental, altamente racional, cobrador, cheio de técnicas, ferramentas e modelos certos. Ele é tão severo quanto Freud descrevia o Super Eu. Assim sendo, o EU2 fica submetido a esta cobrança e não pode desenvolver sua capacidade natural de enfrentar situações novas e resolver problemas com sua própria inteligênciaiii, passando a seguir modelos e instruções de um outro (coach, técnico, professor, marido, pai, chefe...).

Galwey afirma, como vimos na introdução, que sua principal tarefa como coach é estimular a escuta de algo que deseja “falar“ mas não tem espaço. Apoia assim seus clientes a escutarem e acreditarem em seu EU2. Seguindo este percurso, o do EU2, cada coachee pode desenvolver mais plenamente seus verdadeiros dons, e, portanto, sua singularidade, única condição de se tornar criativo, soberano de si mesmo, autoconfiante e alcançar o que Sengeiv denomina domínio pessoal, ou mestria.

Curioso é que sem nunca haver citado, Galwey utiliza a mesma designação de Jung: EU1 e EU2 e os descreve de modo similar, embora com menor profundidade, em virtude das diferenças de formações, interesses e aplicações. Jung descobre em si mesmo a existência de duas personalidades, ou dois sujeitos diferentes que têm características opostas e devido a isto, se digladiam internamente, deixando o sujeito perplexo diante das suas próprias ambiguidades.

Sabemos que o psicanalista percorreu ele mesmo, o caminho que depois organizou,

O processo de individuação é o caminho de transformação de um sujeito, ampliando o mais

possível suas experiências interiores, em que os componentes da psique e as experiências da vida se integram ao longo do tempo em um todo, ao mesmo tempo singular e coletivo. Isto significa abrir-se para outras dimensões, do seu inconsciente, o que, em última análise, nos conecta com todos os outros humanos e todas as manifestações de vida no universo e por outro lado, paradoxalmente, nos faz únicos.

No entender de Jung, os dois Eus são assim constituídos: EU1 é o ativo, ele é mais raso, mais social, mais visível, mais concreto e mais racional. O EU2 é o “homem velho que pertence aos séculos”v, ele é mais profundo, introvertido, invisível, simbólico, intuitivo. Nenhum dos dois é melhor, trata-se apenas de compreendê-los e de deixar prevalecer ora um e ora o outro, nas ocasiões mais adequadas.

Se Galwey identificou esses dois Eus observando seus alunos, sua janela para o mundo certamente era ampla e provavelmente porque deve ter vivido experiências em sua vida, que permitiram tal abertura. É preciso coragem para assimilar e tratar como verdadeira uma observação que nasceu do fundo da intuição.

Se Jung é considerado um dos maiores pensadores do século passado, ou talvez de vários séculos é pela sua coragem em assumir suas vivências, suas intuições e mesmo sem saber ao certo os limites entre sua sanidade ou loucura, não sucumbiu ao lugar comum das ”verdades” da sua época. Sua janela para o mundo era imensa, pois não se limitava ao que os olhos do corpo viam, ele também enxergava com os olhos da alma.

Por analogia, quanto mais um coach permitir que sua alma seja assim “trabalhada” pela vida, mais sábio se tornará, de mais escuta será capaz e mais oportunizará amplidão de janela para seu coachee se tornar o melhor que poderia ser.

 


i Artigo publicado no Boletim Abracem n2 Ano 2008, sessão Maiêuti-Cando

ii The inner game of work. Overcoming mental obstacles for maximum performance. Orion Business Book.

London UK. 2000. pg 30

iii Denomino aqui, Inteligência o modo natural e sistêmico de lidar com a vida, envolvendo o ser humano inteiro: mente, coração, alma e corpo.

iv Senge, Peter. A Quinta Disciplina. Arte e pratica da organização que aprende

v Carl G JUNG, Memórias, sonhos e reflexões – Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1963

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