Vamos redefinir o Normal?

24/03/2021 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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Este artigo é uma espécie de resenha de um webinar chamado Mental Health at Work: The New Frontier, da Singularity University, que vocês poderão assistir na íntegra em www.linkedin.com/video/live/urn:li:ugcPost:6671912032909967360/. Uma espécie, porque misturo palavras das profissionais Roni Frank, Sonya Renee Taylor e Beth Steinberg com as minhas, sem distinção, mas as respectivas autorias podem ser conferidas pelo link.

Escutamos falar “não aguento mais estas restrições, quero minha vida de volta, quero a volta do normal!” Mas talvez tenhamos agora motivos suficientes para afirmar que aquilo não era “normal”. Aquilo era inadequado pois existiam: ganância, inequidade, exaustão, desconexão, confusão, ódio, falta... então, não devemos desejar voltar ao “normal”. Estamos recebendo junto com o caos, a oportunidade de criar algo novo, inclusivo e que abarque toda a humanidade.

Nossa saúde mental estava influenciada por um modo de viver “normal” que se relaciona com externalizar a validação de si mesmo, ou seja, validar no social o ser individual. E, há muitos anos, só sou considerado bom/capaz a partir do que faço, do que “entrego”, quando na verdade somos todos inerentemente capazes. Cada um de nós é naturalmente bom, a despeito do critério até aqui utilizado para medir a qualidade desse bom, que ao longo dos tempos, tem sido somente o que somos capazes de produzir.

Se somente somos considerados bons/capazes por essas referências externas, teremos muita dificuldade ou, até mesmo, não temos como lidar com momentos como esse em que estamos há mais de 1 ano, isolados em home offices ou, muitos de nós, sem trabalho e condições de produção. Sem a confirmação externa da nossa capacidade, aumentam as incertezas, os medos, as inseguranças, e se produzem doenças mentais como stress, burnout, pânico, depressão que se assim, se revelam com maior clareza e crueldade.   

Parece então que o antigo “normal” já estava obsoleto, não era bom. Precisamos criar relações autenticas entre pessoas reais, entendendo que, se no trabalho desempenhamos um papel projetado socialmente, se lá não podemos ser reais com nossas fragilidades e vulnerabilidades, ainda assim, em verdade somos muito mais do que aquele papel.

Me dei conta dessa grande distinção entre o que somos de verdade e o que somos no trabalho, recentemente, durante uma formação em Terapia Familiar Sistêmica que estou cursando. Aquele profissional que nunca falaria de si para um consultor, um coach, um profissional de RH, seu superior, é capaz de pedir auxílio, de revelar angústias, medos, dores e mais alguns segredos, no espaço da terapia. Nesse espaço ele é real, inteiro, grande em sua dimensão humana, complexa e única.

Hoje se fala em liderança 1:1s ou one on ones para abordar a necessidade de uma maior proximidade dos líderes com seus liderados, onde pelo menos uma parte do que consiste a sua verdade, sua realidade, possa ser externalizada. Por exemplo seus desejos de mudança de área, ou de evolução na organização ou algumas outras.

Nesse raciocínio o que seria o “novo normal”?

A cultura de uma organização e seus valores deve sustentar critérios mais inclusivos na avaliação de desempenho dos seus colaboradores. Por exemplo, devem estar lado a lado dos indicadores de metas de produção alcançadas, metas de soft skills tais como gentileza, colaboração e apoio.

Estamos vivendo uma oportunidade ímpar para as organizações revisitarem seus indicadores de sucesso para conferir se eles estão também relacionados a valores de humanidade que promovem inteireza e a saúde mental.

Os líderes das organizações em geral, precisam se preparar para desenvolver soft skills que permitam que seus liderados se sintam à vontade e confiem neles a ponto de poderem expor alguns sentimentos e revelar um pouco mais suas condições de saúde mental. Até aqui houve uma discriminação desses temas por toda sociedade, a saúde/doença mental tem sido tema tabu, porque uma parte da própria sociedade é discriminatória em relação as questões referentes aquelas pessoas reais, que estão por detrás dos seus papeis profissionais. Ainda discriminamos pessoas de cor, pessoas de orientação sexual não tradicional, pessoas com deficiências físicas e fragilidades mentais, pessoas idosas e outras tantas. As organizações ao replicarem tais valores não inclusivos nas suas culturas, limitam os sentimentos de pertença (e, portanto, de confiança e segurança) por parte dos colaboradores, impedindo-os de se sentirem plenamente humanos. Os líderes, incluindo os CEOs, deveriam poder falar de questões referentes a doenças mentais e outros temas, sem mostrarem desconforto, abrindo com isto, um espaço seguro de conversa, pois não podemos cultivar na nossa organização aquilo que não cultivamos pessoalmente (nossa autoestima, autoconfiança e humanidade), e assim, só podemos liderar desde o lugar do medo e do preconceito.

Vemos alguns ótimos exemplos, organizações aumentando oferta de programas de saúde mental para seus colaboradores, como espaços para conversas em que se demanda produtividade em um ambiente sustentável. Seguramente nesse ambiente haverá um incremento de criatividade, entusiasmo, engajamento, produtividade, o conhecido “ganha-ganha”.

Estamos diante de uma oportunidade de mudança de mindset para os líderes com um desafio para aqueles que sempre colocam produção acima das condições emocionais e pessoais dos colaboradores.

Recebemos o melhor das pessoas, quando oferecemos o melhor para elas e isto se relaciona a um alinhamento de propósitos, ou seja, quando o sentido do trabalho para elas está relacionado ao sentido da organização, seu propósito.

Precisamos que as mudanças a serem feitas no “novo normal” sejam sustentáveis em Saúde Mental.