" A sociedade do cansaço"

26/02/2021 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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Esse título da obra[i] do sul coreano Han Byung-Chul, doutor em Filosofia e atualmente professor de Estudos Culturais e Filosofia na Universitat der Kunste de Berlim, nos revela uma análise fecunda sobre a sociedade, por antecipar em 2015 o que hoje está mais claro. Temos percebido que o processo já vinha acontecendo há muito e a pandemia somente amplificou.

Trata-se da saúde mental e sua vertente negativa, a doença mental/emocional com os sintomas mais comuns de burn out, depressão ou outro.

O argumento central do livro de Han é a existência de um excesso de positividade na sociedade contemporânea. Por exemplo: “basta focalizar e você chega aonde quer”, ou “defina seu objetivo claramente e os caminhos se abrirão para você.”

Seu argumento é amplo e complexo, mas dele, só vou tomar esta pequena parte referente ao Positivismo. Para ele, na cultura da preponderância da positividade, a liberdade se converte em uma liberdade autorreferencial. O indivíduo acha natural ser cobrado por um alto desempenho e consequentemente por alcançar altos resultados e assim, se entrega a uma liberdade “coercitiva” ou a uma escolha: a livre coerção de maximizar seu desempenho. Lembrando que caso não consiga o que “deveria”, se sentirá culpado pessoalmente e, assim, poderá se iniciar seu adoecimento.

Nos diz Han, que a cultura do trabalho na sociedade ocidental atual, faz do empregador e do empregado vítimas que não podem mais ser distinguidos, ambos estão mergulhados em uma auto exploração. Mas, por que esta mudança cultural tem sido tão eficiente? Porque “caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade”. Para Han os adoecimentos psíquicos das pessoas na sociedade, que chamou de “sociedade de desempenho”, são as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. Por exemplo: o depressivo crê que para ele nada é possível, justamente porque na sociedade com excesso de pensamento positivo, tudo lhe aponta o tempo inteiro, que tudo é possível. Assim, a impossibilidade de conectar-se a essa fonte de positividade o “leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão” (HAN 2015, p. 29).

Faz muito sentido sua descrição dessa sociedade do cansaço. Mas também é de comum acordo que todos desejamos a saúde e temos visto que o suporte à saúde mental faz parte do novo normal.

Aliás, pesquisas revelam que mesmo antes da pandemia, 45% dos aumentos de orçamento das organizações estavam sendo alocados para programas de bem-estar mental e emocional. Mas sem sombra de dúvidas, a Covid-19 colocou o bem-estar em primeiro plano, pois os empregadores estão mais conscientes sobre o impacto da saúde mental dos funcionários nos resultados da organização.

Estamos então diante de mais um dilema que é cultural: a atuação em favor da saúde mental levará em conta as descobertas de Han? Ou continuará utilizando o modelo/paradigma da positividade, focalizando o esforço em tratamentos ao indivíduo mas não transformando a cultura?  

 

[i] HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015