Propósito e Plenitude

24/03/2016 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
Voltar ao topo

Acredito que a saúde do indivíduo é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, (ao que incluo espiritual) e não apenas a ausência de doença (OMS – Organização Mundial da Saúde). Pode-se dizer que esta condição sempre em aberto é a da plenitude, sempre buscada e nunca alcançada totalmente. 

Entretanto, para nos aproximarmos desse estado de bem-estar “pleno” é fundamental analisarmos, com regularidade, como está o equilíbrio dos campos que o compõe, que podem ser representados pela Roda da Vida a seguir: [figura A] 

Figura A – criada e desenhada por Nomad Ink Studio, a partir de Wheel of Life, de Whitworth, L et all. Co-active coaching.

New skills for coaching people toward success in work and life. California: Davies-Black 

 

A partir da análise desse conjunto, podemos compreender como estão dimensionados os espaços da vida de cada um. Se há algum segmento em desarmonia, se seu centro está integro, e mais ainda, se o desejo do centro (self) está em harmonia com o que ele tem realizado e vivido. 

Em alguns de nós pode existir um mal-estar a partir do centro (self). Onde poderíamos encontrar um propósito de vida, nos deparamos com sua ausência. 

Muitas vezes seguimos um caminho que se abriu espontaneamente na nossa vida, ou que alguém nos ajudou a abrir, seja um casamento, seja uma carreira, seja um emprego, e que com o passar dos anos nunca mais o questionamos, nunca mais o olhamos com olhos de estrangeiro. 

Fazemos isto algumas vezes por medo de não conseguirmos dar conta da nossa responsabilidade de adulto, se nos afastarmos desta trilha já conhecida. 

Mas é preciso que nos lembremos que não podemos viver uma vida para agradar a outros, só podemos realmente ter nossa missão cumprida nessa vida, se pudermos reconhecer para que viemos aqui. Creio que devemos deixar algo como nossa marca neste mundo. Não viemos aqui para satisfazer desejos de ninguém, viemos para fazermos uma caminhada em direção a nós mesmos, que paradoxalmente nos conduzirá ao outro, ao bem comum. 

No meu entender, a caminhada que alguém faz em direção a si mesmo é a caminhada mais importante da sua vida. Lembro da passagem do Cântico dos Cânticos - versículo 13 - em que o Bem-Amado diz a sua Bem-Amada: “A figueira forma seus primeiros frutos. A vinha em flor exala seu perfume. Levante-se minha amiga, minha bela. Vá em direção a você mesma”i . Em última análise, é o mais importante que se pode fazer. Não por narcisismo, ou estrelismo, ou perfeccionismo, mas por respeito a si mesmo e ao outro. Para não ficar todo o tempo vivendo sem poder ser autor... em lugar disso, viver colados, identificados, mimetizados com o(s) outro(s) que encontramos pelo caminho. 

Erich Fromm, escolheu como título de uma das suas melhores obras, O medo à liberdadeii e nela descreve as dicotomias históricas e existenciais a que estamos sujeitos. Segundo ele o ser humano desde cedo, inconscientemente, ou em algum momento de sua vida, conscientemente, descobre-se em uma fronteira em que é demandado a “escolher” entre duas direções opostas. 

Uma possível a seguir é a de preferir ser igual a todos os outros seres, reprimir sua singularidade, seus desejos pessoais, sua criatividade e sua diferença, para não provocar sustos, choques e assim agradar a todos, recebendo como prêmio ser por eles aceito com pouco questionamento.

A outra a seguir é mais árdua, requer mais coragem, pois se trata de assumir sua diferença, abrir-se à sua criatividade, seus desejos e por isso, correr o risco de não ser aceito, de ser pouco compreendido e até rejeitado, pela maioria. A originalidade tem dificuldade de conviver com a mesmice, ou melhor a mesmice não tolera a originalidade. 

Dito de outro modo, cada ser em algum momento de sua vida se depara mais ou menos conscientemente, com dois caminhos: a) assumir sua espontânea condição de ser, sua vocação e correr o risco de ser menos compreendido pela média das pessoas, ou b) ao contrário, seguir os caminhos já trilhados, não assumir suas qualidades mais genuínas mas garantir com isso a aceitação daquelas pessoas e sociedades mais convencionais. 

Mas o que não devemos esquecer é que quem não é capaz realizar esta passagem em direção à sua vocação, sua plenitude, também paga um preço. Acontece que este preço está mais sutilmente disfarçado entre o que chamamos doenças [psicossomáticas ou não] e que são diferentes em cada tempo. 

Os sintomas mais comuns desde século são a anorexia, a depressão, o stress, as fobias [hoje associadas as crises de pânico]. Também são comuns, na atualidade, o consumo compulsivo por algo [drogas ilícitas e as lícitas como: excesso de bebidas, sexo, internet, bens, tranquilizantes ou estimulantes...], na busca frenética de se “apagar”, se diluir em algo que o faça esquecer que é um sujeito responsável por assumir a autoria da sua vida. Que deve dar um destino adequado ao seu talento único através de um Propósito, e que em algum momento da vida, deveria ser compartilhado no mundo em direção ao outro, ao Bem-comum.

 

 


i  Sabe-se que há diferentes traduções da Bíblia em relação a essa frase: vá ... ou venha..., mas como não sou exegeta, opto pela mais bela: vá em direção a você mesma. Para mais, ver Leloup J-Y, 2002 

ii FROMM, E. 1980 

DOWNLOAD AQUI