Falando sério!

17/01/2018 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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Quando o campo de atividade profissional não está regulamentado, torna-se um campo de refugiados. Este tem sido o caso do campo do coaching profissional - que no meu entender inclui algumas possibilidades como executivo, de carreira e outros.

Neste cenário os refugiados são provenientes das agruras do desemprego, das batalhas pela sobrevivência, dos impasses vocacionais e de outras frentes de conflitos.

Posso entender e até empatizar com os sofrimentos e descaminhos que acontecem nas vidas e que conduzem alguns a um campo de refugiados. Sabemos que nessas condições, quando tentam se incorporar em algum “país” que os acolhem, poucas vezes conseguem atuar profissionalmente naquilo que realmente conhecem tem formação e competências e, ao contrário, adaptam-se a fazer algo que lhes permita ganhar seu sustento. A atividade de Coaching tem servido a muitos desses refugiados, que fazem algum curso rápido, onde aprendem algumas “ferramentas” para se sentirem habilitados a começar a atender pessoas.

Lamento por eles, mas coaching profissional, embora sem definições precisas reguladas por alguma lei, é um campo profissional e uma atividade que exige uma formação consistente, o que inclui um profundo trabalho consigo mesmo.  

Mas vamos nos deter um pouco no campo para ampliar o olhar sobre as razões pelas ali se refugiam os mais diferentes tipos de pessoas e formações profissionais.  

Meus alunos em um curso de pós-graduação sobre Coaching e Mentoring trouxeram indagações interessantes sobre o que é coaching. A maioria das suas dúvidas se encaixam no espaço de fronteira entre abordagens conhecidas como Mentoring, Coaching (Executivo, Profissional, Ontológico...), Counseling e Psicoterapia (sobretudo a breve).

Nos anos que tenho atuado nesse âmbito tenho sustentando a ideia de que no núcleo podemos distinguir muito bem entre as abordagens acima, mas o mesmo não se pode afirmar quanto as suas bordas, suas fronteiras.

Por exemplo, da lista de motivos de coachees para procura por coaching, trazidos por Rosa Krausz (Coaching Executivo. A conquista da liderança - pag72-73), podemos distinguir vários temas que podem ser acolhidos em qualquer das abordagens. Vejamos alguns: dialogar com alguém em quem possa confiar; insatisfação com o próprio desempenho; deseja ampliar seus horizontes; foi ou vai ser promovido e teme não estar preparado para enfrentar a nova posição; dificuldade em criar e manter redes de relacionamento dentro e fora da empresa; expandir sua autoconsciência; deseja compatibilizar sua vida profissional e familiar; dificuldades de relacionamento no trabalho; sente-se estressado e sobrecarregado; sua equipe não está correspondendo as suas expectativas; suas responsabilidades aumentarem, não tem tempo; dificuldade em resolver problemas e tomar decisões; decidir se permanecerá no trabalho ou se mudará de emprego; dificuldade em lidar com conflitos.    

Insistir que alguma dessas deve ser “tratada” exclusivamente como demanda para coaching, a meu ver não levará a lugar algum. Seria apenas uma definição convencional, um acordo entre profissionais das disciplinas, mas sem fundamento científico. Qual terapeuta já não “tratou” de algumas, senão de todas essas queixas? Qual mentor não se viu tendo que acolher alguns desses conflitos de seus mentorados? Qual conselour já não atuou nessas demandas?

Parece que realmente o campo do coaching torna-se facilmente um campo de refugiados porque é amplo e com fronteiras muito tênues.

Então o que fazer para salvaguardar os coachees?

Se regulamentações servem mais para garantir “mercados” e responsabilizar por danos a outros, através de longas jornadas de processos éticos nem sempre confiáveis?

Se formações por melhor que sejam, também não garantem o exercício competente, pois aqui se impõe uma indagação: o coaching profissional é uma Escuta ou um procedimento?

Se as experiências de sofrimentos e quebras narcísicas (do Ego) que a vida traz, contribuem imensamente, apenas e tão somente se tiverem sido bem trabalhadas e incorporadas em um outro nível de consciência?

Considerando as reflexões, entendo que em um campo de tão vastas fronteiras e profunda subjetividade, uma boa direção seria o reforço no trabalho intrapessoal e na ética. As formações deveriam insistir fortemente no autoconhecimento como processo pessoal infinito e na ampla conscientização da imensa responsabilidade assumida no conjunto de expectativas dos atores envolvidos.