Presença, a mãe das soft skills

16/01/2019 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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Publicado no Boletim Informativo – Ano 12, Dezembro de 2018 – Número 04

Cleila Elvira Lyra

Nas nossas práticas como coaches [os sérios], seja qual certificação nos referenda, seja a qual formação nos identificamos, seja a qual entidade pertençamos, nos leva inevitavelmente a nos depararmos com a potencia da nossa presença, na relação coach – coachee.

Estou segura de que com a maioria dos coaches ocorre algo semelhante ao que me acontece. Por exemplo, alguns clientes me chegam por indicação de alguém que lhes informou de minha formação em psicanálise Freud – Lacan. Outros me procuram pela formação em coaching executivo pela Abracem (tende para AT). Outros me procuram pela formação em coaching pelo Self Empowering Institute (tende para Schutz). Outros porque eu aprecio os temas do meio ambiente, tenho estudado teoria junguiana, mitologia, tenho uma vertente “alternativa” e de yoga. Outros ainda, porque atuo há muitos anos como consultora em organizações e conheço este campo. E outros, nem sei...

Aparentemente alguém, ao escolher seu coach observa estas fundamentações e formações. Escuto falarem: ah! não gosto dos psicanalistas, ou: ouvi falar que melhor é a abordagem “x”; “fulano é ótimo pois tem formação ...” O interessante é que as minhas formações, como as de muitos coaches, são bases bastante diferentes e, até onde eu sei, meus clientes não se sentem enganados e frustrados com o que obtém no processo, porque chegam por uma expectativa e eu os atendo “do meu jeito”.

Como então explicar “meu jeito”? Ou melhor, o que faz um processo funcionar?  

A direção da resposta, como o título indica, vai para o que Rosa Krausz chama “perícia”.  Refere-se ao deslocamento do foco nas ferramentas para o foco no coachee, como havia indicado Carl Rogers em sua “terapia centrada no cliente”. Insistindo na direção da resposta, e até repetindo algo já citado em outros artigos, Jung sugere que cada coach: “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

No fundo é mais simples do que parece, mas Leonardo da Vinci, lá no século XV, disse que “a simplicidade é o último grau de sofisticação”.

Muitos profissionais em vários campos e também em coaching executivo, andam freneticamente atrás de ferramentas, técnicas, métodos e teorias. Perdem tempo, visto que nenhum deles é capaz de nos fornecer o que obtemos pela simples abertura, acolhimento e observação fluida do nosso coachee e de nós mesmos, em cada sessão de coaching, nossas soft skills.

Abro parêntesis para esclarecer que não advogo em favor dos refugiados[i], oriundos de diferentes continentes, os quais por estarem à deriva fazem algum curso 24h e passam a se denominar coaches e atender pessoas. Continuo falando aos sérios, ou seja, que têm bases confiáveis, seja por cursos de graduação em psicologia, ou por formações em coaching em instituições sérias. Os outros, sinto muito, não me refiro a eles pois não os considero coaches.

Fecho parêntesis para dizer que me sinto muito confortável em explicar um pouco do que vem acontecendo comigo (e com muitos coaches), e que colabora com o “meu jeito”, nos bons resultados da jornada de coaching.

Otto Scharmer conseguiu formular e sintetizar em um modelo, que chamou Teoria U[ii], todo um campo e práticas muito experienciadas e estudadas ao longo de muitos anos, entre outros, pelos quatros pensadores: Senge, Jaworski, Flowers e o próprio Scharmer[iii]. Empresto deste, o lado esquerdo do “U” (figura a seguir) para referendar como a prática de coaching pode alcançar um alto grau de sofisticação e de perícia.

O modelo, de tão simples nem demandaria explicações, basta olhar e seguir. Ainda assim, reforçarei alguns ingredientes-chave. (Figura 1)

O ponto de partida é reconhecer que nos relacionamos com o mundo usando um “modelo mental”. Em outras palavras, não nos relacionamos com o mundo e sim com nossa interpretação, nossos filtros para o mundo. Parecemos um aplicativo de smartphone que processa certos fenômenos de um modo totalmente programado e repetitivo. Utilizando a linguagem de Scharmer, fazemos um download do conhecido (teorias, métodos, fórmulas, percepções já armazenadas, etc), para analisar e observar algo novo que nos chega. Ora, o resultado é não conseguir dar oportunidade para que algo diferente seja visto. 

Suspender as informações prévias, não permitir o download delas e olhar cada situação (que parecem iguais) com um olhar “inocente”, sem preconcepção, demanda abrir a mente para permitir que a percepção seja mais “pura”, “fresca” (fresh eyes).

Se conseguimos calar um pouco a mente, possivelmente o próximo passo estará emergindo naturalmente, e será ancorado no coração. Precisamos sentir o que se estabelece entre nós, neste “campo” gerado pelas nossas presenças, agora. Para isto a chave mestra é abrir o coração. Chamaria Goleman este acontecimento de empatia? Não analisar, não julgar, não interpretar, mas sentir o outro e o vínculo que se estabelece agora e largar-se nesta rede, poderá nos surpreender positivamente.

Quem consegue trabalhar assim, seguramente fará o restante organicamente. Daqui para frente vamos realmente deixar ir os pressupostos, as recomendações, as observâncias mentais do processo e até algumas palavras, as vezes inúteis.

Neste ponto, no fundo do “U”, somos nós mesmos, ou estamos mais em conexão com nosso Self, nosso EU Mesmo, para longe dos ideais, dos deveria, dos poderia, das expectativas de outros, e ... sendo nós mesmos, convidamos o coachee a ser cada vez mais ele mesmo.

A caminhada de abertura que teremos propiciado até aqui, já terá acolhido o coachee para vir se revelando para além das expectativas do seu coach, da organização, da família, do seu Eu Ideal, empoderando-o e abrindo a possibilidade de se transformar e não apenas de mudar.  

Mas todo cuidado é pouco uma vez que é demandada certa firmeza, abrir a vontade, em não recorrer a ferramentas (salvadoras) e em lugar disso, ficarmos no vazio da presença.

Como coaches, estou certa de que quanto mais conseguirmos trilhar este caminho e experienciarmos esta presença, mais vamos permitir deixar vir algo novo, inusitado nas nossas intervenções, liberando também o coachee a ter insights significativos.

Mas a responsabilidade e a tarefa ainda não terminaram, pois será preciso coragem e vontade forte de ambos, também para sustentar a rota das descobertas e encorajar o coachee para suas escolhas, para consolidar os novos comportamentos, projetos e caminhos.

Alguns manuais de coaching pregam a importância de algumas “perguntas poderosas”. Ora, são as que acontecem neste nível de presença, sejam elas quais forem. Fora disso são apenas perguntas de uma lista morta. 

 

 


[i] Refiro-me a uma ideia proposta em outro artigo: Falando sério, publicado no Boletim Ano 12 – 2018 - N 01 - Maieuticando

[ii] Scharmer, Otto. Teoria U - Como Liderar pela Percepção e Realização do Futuro Emergente. Ed Campus Elsevier

[iii] Senge Peter, Jaworski Joseph, Flowers Betty Sue, Scharmer Otto. Presence – Human Purpose and the Field of the Future – 2005 SOL (The Society of Organizational Learning) - USA