Estar presente ou ser fashion?

17/06/2018 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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O que nos distingue do restante dos seres vivos é nossa capacidade de presença, que se alcança quando conseguimos abandonar nossas certezas e nos abrimos a emergência de algo. Uma abertura à escuta do que vem de dentro e também de fora, nos centrando, nos enriquecendo, possibilitando inteligência sistêmica e sabedoria.

Pode parecer simples, mas precisamos de uma boa caminhada para alcançar este elevado grau de simplicidade. Na nossa pratica de coaching, esta condição favorece a escuta ativa, para além do que foi dito.

Nada é simples quando tratamos de seres humanos, posto que somos complexos e singulares, desde que na história da evolução da espécie, perdemos a condição instintiva coletiva. Quando ingressamos no universo da linguagem, nos tornamos pulsionais e únicos. Existem muitas concepções para explicar nossa existência e elaboradas desde tempos que nos chegam através da mitologia e da filosofia.

Mais próximo de agora, no século XIX, Freud, um neurologista, descobriu não ser possível curar suas pacientes “histéricas” apenas atuando no nível da mente e do físico, indo então buscar respostas no inconsciente, individual. Depois veio Jung que se distanciou do seu mestre por crer em algo ainda mais complexo, um ainda mais misterioso inconsciente, o coletivo. Mais tarde, o sofisticado Lacan, entendeu que o EU (mente consciente) está desconectado do inconsciente, que habita no campo do Simbólico, da linguagem e o chamou de grande Outro. Enfim, para citar somente três grandes médicos (da galeria dos ilustres pensadores da humanidade) que desistiram de tentar entender o indivíduo a partir somente do sistema nervoso ou do cérebro, ou da mente.

Parece amplamente aceito que nosso inconsciente, individual ou coletivo, é a fonte de muitos recursos que precisamos para sermos mais plenos, bem como de respostas para solucionar nossas ansiedades e conflitos. Entretanto ele costuma brincar de esconde-esconde, aparecendo quando estamos distraídos e se escondendo quando o queremos perseguir intelectualmente, com nossa mente ou vontade firme e decidida. Vale dizer que ele emerge quando estamos abertos às possibilidades, em estado de prontidão para o inusitado, o que se alcança estando centrados e presentes. Mas este estado nada tem de controle racional ou mental. Ao contrário, ele se mostra quando relaxamos, nos disponibilizando e sintonizando ao momento, sem pressupostos, sem pretensões.

Mas na atualidade, muitos de nós somos forçados a viver em estado de constante tensão, sendo controlados e controlando nossos atos para caber dentro de um tempo disciplinado, para atender a expectativas de “entregas”. Essa nova cultura está criando uma necessidade de dar respostas rápidas como se fossemos uma Inteligência Artificial (ou mente cibernética), baixando um aplicativo e instantaneamente executando-o perfeitamente.

Pode ser por isso que o Positivismo e a PNL renasceram através da Neurociência. E parece que estas encontraram as respostas ao que somos e aos nossos dilemas, na mente e no cérebro – fisicamente, lá onde os três ilustres médicos desistiram de buscar.

Devemos respeitar a diversidade, os modelos mentais e todas as teorias e abordagens sérias. Mas podemos desconfiar dos profetas de plantão? Aqueles que se apresentam como neurocoaches e oferecem agora sim, uma técnica efetiva? Agora sim é cientifico o que fazemos? No meu entender, os que assim se apresentam mais parece estarem surfando em uma nova onda, fashion, denominada neuro. Tenho notado muitas ofertas de formações neuro, como: neuroliderança, neuromarketing, neurocoaching e outras neuro...

Além da forma me parecer mais mercadológica do que cientifica, entendo que aqui acontece algo na contramão. Alguns profissionais buscando se diferenciar no “mercado” criam teorias para fundamentar suas metodologias, quando no meu entender deveria ser o contrário. Dito de outra maneira, em epistemologia, o objeto determina o método e não o contrário. A concepção de ser humano deve determinar o método de trabalho com o ser humano. Daí se impõem mais indagações: estes neuroprofissionais acreditam que o ser humano é neuro? É mente? As outras dimensões psíquicas (sentimento, intuição, sensação) onde se encaixam?

Os três respeitáveis médicos citados, entenderam que deveriam investigar mais além do cérebro, da neurologia, da mente, pois reconheceram a existência de algo inabordável pela cognição. Foi a partir dessa concepção de ser humano que Freud inventou a psicanálise, Jung inventou a análise e Lacan reposicionou a psicanálise freudiana, sendo que para eles, a rigor, o método essencial era estar presente e disponível. A escuta deles privilegiava o que emergia no/do discurso.

No meu entender não é preciso ser psicanalista, ou psicólogo e lidar com o inconsciente humano para ser um coach competente. Mas é preciso sim, estar presente, estar em sintonia com o campo de possibilidades que nasce no reconhecimento da existência de uma dimensão escondida nos seres humanos.

Mas atualmente o esforço de alguns em tentar encurtar caminhos e também raciocínios, para facilitar a compreensão dos fenômenos e a agilidade das entregas é extraordinário.

Será que isto se deve à demanda de nossos clientes organizacionais que desejam que alcancemos transformações nos seus gestores em 6 - 8 sessões? Será mesmo que alguns acreditam (ou fazem de conta que acreditam?) que conseguirão os resultados efetivos esperados se usarem uma “ferramenta” mais positiva? Mais neuro(x)?

Será, por outro lado, que nossa melhor resposta a uma demanda desse tipo de muitas organizações está em nos adaptarmos a um tipo de solução de sucesso improvável?

E ainda, será que a adição do prefixo neuro, em nossos títulos ou nos títulos que damos a nossos métodos garantem algum efeito especial? Nas vendas possivelmente sim, pois as abordagens neuro se tornaram fashion e se apresentam como agora sim aí está a ciência, a real possibilidade de desenvolvimento ou a solução efetiva para seu negócio!