Resiliência, saúde mental e cultura

14/12/2020 | Escrito por Cleila Elvira Lyra
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O artigo intitulado Culturas de resiliência, bem-estar e desempenho saudáveis, de Thomas Hellwig do Kets De Vries Institute, nos alerta para o processo de mudança necessário nas organizações para fortalecer a resiliência e a organização, no enfrentamento da crise do COVID-19 e seus efeitos presentes e futuros.

Eles defendem a ideia de que as organizações precisarão investimento estratégico de longo prazo para criar uma cultura onde as pessoas encontrarão equilíbrio entre desempenho, níveis de estresse e bem estar. Em outras palavras uma cultura voltada igualmente ao desempenho e à saúde mental. 

Não por acaso aqui no Brasil uma organização como AMBEV, fortemente voltada à competição e a busca de altos resultados e criou uma diretoria de Saúde Mental. Isto de certo modo parece fácil de entender pois a tão almejada resiliência depende não somente do indivíduo, mas também do contexto. Saúde mental precisa urgentemente sair dos âmbitos do departamento de Saúde Ocupacional e entrar na área da Cultura, pois ela é resultante de um processo sistêmico.  Até antes do COVID saúde mental nem existia como linguagem e preocupação nas organizações, talvez com algum receio, preferiam chamar saúde emocional, que parece mais ameno e focaliza apenas um nível de atenção. Ao começar a utilizar o conceito saúde mental, estamos posicionando o tema como de alta relevância uma vez que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. O longo período de crise da pandemia contribuiu para desvelar o que estava sendo lentamente corroído por baixo do tapete, a saber,  o nível impraticável de estresse pela falta de condições de espontaneidade e autenticidade nas organizações. Nos fala o autor do citado artigo que os indivíduos não revelam aos seus superiores e tampouco aos RHs, seus estados mentais com receio de sofrerem alguma forma de crítica, demonstração de decepção e restrição.

O enfoque clínico da saúde do trabalhador e agora apoiado pela neurociência, muitas vezes encobre a causa mais ampla do adoecer, que está na cultura da organização, pois desloca o foco e culpabiliza o indivíduo. “Ele foi incapaz de aguentar, não é resiliente, não combina com nossa empresa”. Mas esse tipo de cultura dos fortes e valentes - ainda que não expressa claramente, mas sim nas entrelinhas – estressa em nível altíssimo a relação: resiliência x burnout. Os indivíduos, sem poderem se expor, suportam até o seu limite e dali desabam nos vários tipos de doença. Nos disse Rüdiger Dahlke[i] que “O sofrimento sempre nos diz que algo saiu da consciência e foi empurrado para o corpo para então tornar-se incômodo lá.” 

Desta forma, saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais e seus múltiplos sintomas vão impactar diretamente no ambiente de trabalho, causando efeitos mais danosos, pois além da perda de produtividade há a mais grave perda, que é a vivacidade e alegria do engajamento por identificação a cultura que valoriza o ser humano, na mesma intensidade dos lucros.

 

 


[i] Rüdiger Dahlke - A Doença como linguagem da alma. Ed Cultrix, São Paulo, 2007